
Thiago Nevs
Sobre
Thiago Nevs (São Paulo, 1985), vive e trabalha na cidade de São Paulo. Criado apenas pela mãe na periferia da capital paulista, o artista passa a se interessar pelo campo criativo no final dos anos 90, quando sua relação com as ruas se intensifica através da pichação e do graffiti. O caráter transgressor e de apropriação que caracterizam essas vertentes são pilares de sua formação. Autodidata, Nevs passa a se interessar por outras vertentes e, incentivado pelo artista e amigo pessoal Marcelo Cidade, começa a estudar os principais movimentos artísticos, com ênfase em arte contemporânea brasileira. Nomes como Helio Oiticica, Cildo Meireles e Waltércio Caldas, entre muitos outros, são hoje referências para o seu processo criativo.

Invólucro
2017
A CIDADE E A CIDADE
Toda forma de representação é um pacto. Nesses termos, ao delimitarmos o recorte do que será representado, estabelecemos também um acordo com a parte que fica de fora, que foi suprimida, ocultada. Não devemos ler isso como julgamento, mas como dado. Posto isso, nessa primeira mostra individual de Thiago Nevs, um olhar desatento pode inferir que, ao trazer das ruas para a galeria seu processo criativo, o teto de alcance do seu trabalho diminui, já que ao reduzir a pressão da cidade como elemento ativo da representação, a potência se reduziria. Ledo engano. Ao enclausurar suas ora esculturas, ora assemblages dentro das paredes brancas, Nevs dispara um torpedo de estilhaços históricos que devem ser recolhidos e remontados numa espécie de colagem tridimensional. As relações pós-monárquicas e pouco ortodoxas em “Conchavo Matinal” não são alheias à fragilidade institucional de “Palanque”. “Primeiro Formando” aparece quase como uma premonição histórica de “Aviso prévio”. É nesse sentido que os trabalhos reunidos aqui não devem, e nem podem, ser lidos de forma isolada. Como em uma montagem construtivista, cada parte, cada peça, contém um significado em si, mas quando postas em choque numa ordem específica, produzem uma superação de significado, possibilitando ao expectador perceber a conclusão ideológica final. A estrutura de choque que constrói essa escada representativa é a mesma que escancara aquilo que foi escondido. Como num salto dialético, a cidade que ficou lá fora é ressignificada do lado de dentro e o pacto, inevitável, se refaz.
DANILO GRIMALDI





Panorama
2021
Além da Estética Vernacular
A cidade de Panorama fica situada no interior de São Paulo, às margens do Rio Paraná. Dela podemos avistar, na outra margem do rio, o Estado de Mato Grosso do Sul. Foi nessa região que o artista paulista Thiago Nevs passou a maior parte de sua infância e onde residem as memórias mais tenras dos seus primeiros anos de vida, época em que seu pai, caminhoneiro, ainda estava presente no convívio diário da família.
A estrada, idas e vindas, encontros e desencontros, o caminhão, a boleia, um lar, uma história de vida familiar mais adiante interrompida. Nas encruzilhadas e nos desvios dos trajetos rodoviários, restou a ausência inexplicável de seu pai, que desapareceu. Anos se passaram, e, nesse percurso, Thiago encontrou nas artes visuais uma forma de reelaborar os seus sentimentos — dor, abandono, revolta e, enfim, entendimento.
A prática do letreiramento comercial também o levou naturalmente a uma aproximação com as grafias populares, nas quais Nevs buscou, nas expressões tipográficas vernaculares, uma forma de trazer um tom de brasilidade ao seu trabalho. Aos poucos, esse encantamento também conduziu o seu olhar para a linguagem gráfica popular de forma mais ampla e o levou à pesquisa e à apreciação da estética do caminhão, que hoje é ressignificada na sua produção artística.
Letras e ornamentos pintados à mão, lameiras e lameirões decorados com frases e paisagens, cordas, lonas, bibelôs e franjas, o caminhão é um templo onde o motorista passa grande parte da sua vida, e é a partir da sua customização que se transforma num ambiente de aconchego e proteção. No seu processo construtivo, o caminhão nasce “nu”, desprovido de ornamentações e adereços, além da estrutura básica confeccionada em fábrica. Aos poucos sua identidade vai sendo construída, de acordo com a personalidade de cada dono, pelas mãos dos pintores que decoram as carrocerias com linhas e formas geométricas, elementos figurativos ou abstratos e inscrições tipográficas que costumam falar de fé, proteção, amor.
Nesta mostra, Thiago Nevs apresenta um conjunto de dez obras que referencia a linguagem visual presente nos caminhões, expressão que hoje está fadada ao esquecimento diante da progressiva substituição das carrocerias de madeira por estruturas de metal. A jornada do artista se iniciou com uma pesquisa visual espontânea que resultou na composição de um pequeno acervo fotográfico. A partir desses registros, Nevs mergulhou no estudo de técnicas, materiais, elementos visuais e estruturas de composição presentes nesses artefatos para, em seguida, reinterpretá-los à sua maneira e gerar as suas próprias composições e símbolos.
Na feitura das suas obras, a pintura de esmalte sobre madeira é eleita como técnica principal, no entanto o artista também se permite experimentar, ao incluir em suas peças outros materiais, como a lona, cordas e apliques de objetos, fragmentos do caminhão. Em um processo quase meditativo, Nevs esboça cada obra, escolhe cores e inicia a composição, traço a traço, ornamento a ornamento, organiza o espaço de forma quase sempre simétrica, ordena o espaço e o seu pensamento, coloca cada sentimento do passado em seu lugar.
Nesse caminho em busca da construção de sua própria identidade, a viagem conduzida pelo caminhão proporcionou ao artista um encontro inesperado com a sua história em Panorama. Suas memórias afetivas aqui se materializam, nesta exposição, por meio da reinvenção da estética do caminhão.
Fátima Finizola





